“Vacinação em massa é o único caminho para retomar crescimento”
Presidente da Fecomércio/SE, Laércio Oliveira comenta desafios econômicos da pandemia
É do conhecimento geral que 2020 se situa como um dos anos mais críticos para a economia brasileira, em consonância ao cenário mundial, duramente afetado pela pandemia de covid-19. Como presidente do Sistema Fecomércio/Sesc/Senac de Sergipe, o deputado federal Laércio Oliveira lidou direta e continuamente com o desafio de associar a preservação das vidas à sobrevivência de empresas e, por extensão, à manutenção dos empregos. O crescimento contínuo no número de casos da doença, e no de mortos em consequência dela, leva o líder classista a encarar as perspectivas econômicas para 2021 como “uma incógnita”. Mas a aprovação nesta terça-feira (16) do projeto que estabelece a chamada Lei do Gás, com relatoria do deputado, se constitui para ele um alento, a esperança de uma força motriz para a economia brasileira como um todo, e para a de Sergipe em especial, já que o Governo do Estado se preparou antecipadamente para esse novo mercado. Na entrevista a seguir, exclusiva ao F5News, Laércio comenta os desafios do passado e os que ainda estão pela frente. Confira:
F5 News – Como presidente do Sistema Fecomércio Sergipe, que balanço o senhor faz sobre a situação do setor terciário no decorrer do ano passado?
Laércio Oliveira – Extremamente desafiadora. Ninguém estava preparado para uma circunstância tão adversa, que levou à paralisação quase completa, durante meses, de vários nichos de negócios, entre comércio de produtos classificados como não essenciais, serviços e, em especial, de tudo que envolve o trade turístico e o setor cultural e de lazer. Para se ter uma ideia, em meados de 2020, no período de pior cenário da pandemia no ano passado, se chegou a uma queda de 30% no comércio varejista brasileiro, em comparação ao mesmo período de 2019. Os pequenos negócios – as lojas de bairros, por exemplo, muitas vezes empresas familiares – figuram entre os mais afetados, pela falta de capital de giro, de fôlego financeiro para sobreviver sem a entrada de qualquer faturamento. Em Sergipe, testemunhamos a angústia de comerciantes que nos procuravam em desespero, expondo que já não tinham de onde tirar recursos para manter suas lojas ou serviços, como salões de beleza, bares e restaurantes, para citar alguns exemplos a sofrerem fortemente o impacto da pandemia. Muitos empreendedores, em especial os donos de micro e pequenos negócios, me narravam uma situação em que eles já se viam no extremo de não ter mais como garantir o sustento de suas famílias.
F5 News – Em termos numéricos, existe um balanço desse impacto em 2020?
Laércio – Um estudo da Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC) registrou que o comércio de Sergipe perdeu 770 pontos físicos de venda no decorrer de 2020, considerando apenas aqueles que tinham trabalhadores com carteira assinada – ou seja, esse número foi maior, seguramente, incluídos os pequenos negócios estritamente familiares. Os setores mais atingidos pela crise em Sergipe, no primeiro semestre, foram os de vestuário e calçados, mas os impactos negativos foram praticamente generalizados, atingindo ainda o comércio automotivo – de peças a veículos -; papelarias e lojas de utilidades domésticas, entre outros. Somente em shoppings, mais de 180 lojas foram fechadas. Muitos setores não estavam preparados para o atendimento de forma online e os meses de interrupção de suas atividades resultaram em falências e, consequentemente, na perda de empregos.
F5 News – No âmbito dos Serviços, qual o nicho mais prejudicado em 2020?
Laércio – Sem dúvida, a cadeia produtiva ligada ao turismo e ao lazer. Só no primeiro semestre, quase 400 empresas do ramo fecharam suas portas em Sergipe. Desse montante, o serviço de alimentação fornecido por bares e restaurantes foi o mais prejudicado, com 289 estabelecimentos chegando a seu limite e encerrando suas atividades. Em seguida, constam as empresas de hotelaria e hospedagem, mas a crise atingiu também os serviços de transporte, agências de viagens, aluguel de veículos, além de empresas ligadas ao segmento de cultura e lazer.
F5 News – Até que ponto o Programa Nacional de Apoio às Microempresas e Empresas de Pequeno Porte (Pronampe) atenuou essa situação?
Laércio – O Pronampe foi aprovado no fim de abril pelo Congresso Nacional e sancionado logo a seguir pelo presidente Bolsonaro. Nesse primeiro momento, iria até o dia 19 de agosto, mas findou sendo prorrogado por três meses, a partir da constatação de que ainda havia uma demanda significativa. Uma pesquisa do Sebrae com a Fundação Getúlio Vargas, realizada entre abril e maio, mostrou que 90% das empresas de micro e pequeno portes tinham registrado queda em suas receitas. No mesmo período, cresceu em 8 pontos percentuais a proporção de empresários desses perfis que buscaram crédito, no entanto, 86% dos que se movimentaram nesse sentido ou não tinham conseguido ou ainda estavam com seus pedidos em análise. Portanto, o Pronampe foi essencial para diminuir os gargalos para a concessão de empréstimos, ajudando a manter empresas e empregos. Porém, seu alcance não foi generalizado, em parte por causa da burocracia inerente a esse tipo de transação, que afastou uma parcela de potenciais candidatos, e também em função de garantias exigidas pelas instituições bancárias, que muitos não tiveram como atender. De qualquer forma, o programa conseguiu evitar que um quadro já extremamente difícil ficasse ainda pior, irreversível para vários negócios.
F5 News – Qual o impacto do auxílio emergencial para a economia de Sergipe em 2020?
Laércio – O auxílio emergencial foi o maior programa social criado na história do Brasil, no menor prazo de tempo possível. Para grande parte da população mais pobre e os trabalhadores informais, na prática, esse recurso fez a diferença entre colocar comida na mesa ou enfrentar a fome e o desespero. Em Sergipe, foram pagos cerca de R$ 3.7 bilhões de auxílio emergencial para mais de 850 mil pessoas, o que corresponde a mais de 35% da população. Essa injeção financeira garantiu que famílias sergipanas tivessem condições de adquirir ao menos produtos essenciais, obviamente com ênfase nos gêneros alimentícios, mas também teve o mérito de ser usada na quitação de pequenas dívidas, de forma a que muitos recuperassem crédito no mercado. Posso afirmar que esse auxílio ilustra perfeitamente a associação entre o bem estar social e a continuidade do giro da economia em níveis capazes de dar sobrevida a diversos negócios, o que se reverteu em outro ganho social importantíssimo – a salvação de muitos empregos. Importante citar ainda que o governo de Sergipe também criou um programa de transferência de renda, em março de 2020, específico para pessoas em situação de extrema vulnerabilidade alimentar: o Cartão Mais Inclusão (CMAIS). Foram dez parcelas mensais de R$ 100, valor a ser usado pelos beneficiários exclusivamente para a compra de alimentos. Essa medida injetou na economia de Sergipe cerca de R$ 23 milhões no ano passado, recursos oriundos do tesouro estadual. Recentemente, foi aprovado pela Assembleia Legislativa o projeto de lei do Executivo que prorroga os pagamentos até o mês de julho. A volta do auxílio emergencial no próximo mês de abril – ainda que em valores inferiores aos pagos em 2020 – é outra vez uma medida da maior importância social, que também se reflete positivamente sobre a economia, ao contribuir para a manutenção de alguma capacidade de consumo.
F5 News – Em Sergipe, qual o saldo do Programa Emergencial de Manutenção do Emprego e da Renda instituído pelo governo federal em abril de 2020?
Laércio – A possibilidade de suspensão de contratos e redução de jornadas e de salários temporariamente foi prorrogada duas vezes no ano passado, o que por si só atesta a importância e a pertinência do programa. Pelo balanço do Ministério da Economia, essa alternativa foi adotada em Sergipe por mais de 12 mil empresas, de abril até o final de agosto. Mais de 144 mil acordos foram formalizados nesse período em Sergipe, o que significou a preservação dos empregos de mais de 80 mil trabalhadores. Para se ter uma ideia, Sergipe fechou 2020 com saldo negativo de cerca de 4.400 empregos, um número preocupante, claro, mas reafirmo que, sem essa opção viabilizada pelo programa, a crise social e econômica teria sido ainda mais grave, e isso em todo o país.
F5 News – O comércio eletrônico se tornou a única chance de sobrevivência para muitas empresas, sobretudo no período de fechamento total de lojas físicas. Qual sua análise sobre essa modalidade em Sergipe?
Laércio – Foi uma completa transformação. Quem já operava com comércio eletrônico, ou num caminho de preparo para ele, teve uma significativa vantagem em relação às lojas e serviços restritos às vendas presenciais. Muitos empresários de Sergipe migraram seus negócios para a variante do comércio eletrônico, criando lojas virtuais no ShopAju.com, shopping virtual desenvolvido pela empresa de consultoria Virtuaria, com o apoio do Sistema Fecomércio/Sesc/Senac. Os interessados recebem assistência desde a criação do site até todo o suporte necessário para o funcionamento adequado do processo. Na prática, os resultados foram positivos num nível a ultrapassar expectativas. Em 2020, as lojas e serviços disponíveis no ShopAju.com tiveram uma média de crescimento de 130% em seus negócios, em comparação a 2019. Algumas lojas disponíveis no shopping virtual sergipano chegaram a vender 2.3 vezes o volume do ano anterior, um salto de dimensão semelhante no que se refere à receita apurada, de mais 175% no comparativo com 2019.
F5 News – O comércio eletrônico em Sergipe tende então a avançar, mesmo ao fim da pandemia?
Laércio – Sem dúvida, é um caminho que não tem volta. Em 2020, o ticket médio de compras dos consumidores, apenas no ShopAju.com, foi de R$ 190, atestando a vitalidade desse tipo de operação. O comércio eletrônico já era uma tendência de ascensão ininterrupta, globalmente, muito antes da pandemia. As circunstâncias geradas pelo isolamento social e pela interrupção de atividades comerciais no ambiente físico impulsionaram ainda mais essa alternativa. Pessoas que nunca tinham adquirido um produto via internet, por não saberem como fazê-lo ou por falta de necessidade e interesse anteriormente, descobriram um caminho confortável e seguro – desde que o consumidor tome as devidas precauções. O empresário de Sergipe que se qualificar nesse universo terá mais chances de aprimorar seu negócio, mantendo os recursos das vendas em nosso estado e gerando aqui mais empregos e renda.
F5 News – Qual sua expectativa para este ano, no cenário econômico?
Laércio – Sinceramente, no momento atual é uma incógnita. Especificamente em Sergipe, em fevereiro passado, a pesquisa Índice de Confiança do Empresário do Comércio (ICEC), realizada pela Confederação Nacional do Comércio (CNC), nos trouxe dados muito promissores. No indicador de expectativa de contratação de funcionários, 61% dos empresários do comércio sergipano responderam que pretendiam aumentar o número de colaboradores em seus negócios. Essa injeção de ânimo veio pelo crescimento das vendas desde agosto passado, com recuperação de muitos postos de trabalho, o que resultou na percepção de um caminho de estabilidade no panorama econômico. Infelizmente, o agravamento da pandemia de covid-19 já inclina o mercado à reversão dessa tendência. Tudo vai depender da velocidade em que o Brasil consiga transpor essa crise que gera tanto sofrimento. Nesse aspecto, o que vem sendo colocado pela Ciência é que a vacinação em massa da população é o único caminho para que possamos voltar à normalidade em todos os aspectos, com ênfase para a retomada do crescimento econômico e seus efeitos positivos diretos sobre a empregabilidade.
F5 News – Até que ponto a aprovação da chamada Nova Lei do Gás pode contribuir para o reaquecimento da economia?
Laércio – Para o Brasil e, em específico, para Sergipe, o mercado do gás natural traz perspectivas muito promissoras, por conta dos investimentos do setor de óleo e gás e da possibilidade de atração de indústrias consumidoras intensivas de gás para o Estado, um trabalho já iniciado por intermédio da Sedetec [Secretaria de Estado do Desenvolvimento Econômico e da Ciência e Tecnologia]. Com isso, a expectativa é que o novo mercado do gás contribua significativamente para a geração de empregos e para a arrecadação tributária. Mas é importante deixar claro que esses efeitos virão a médio e longo prazos, muitas tratativas e investimentos ainda terão de ser articulados e, portanto, os impactos positivos não serão imediatos. Digo isso para esclarecer que a aprovação do marco legal do gás nesta terça-feira não vai significar a redução do custo do botijão de cozinha amanhã ou depois. O que favorece Sergipe ainda mais é a atenção especial do governador Belivaldo Chagas a esse setor, já tendo feito a modernização do marco regulatório através da Agrese [Agência Reguladora de Serviços Públicos do Estado de Sergipe], incentivos tributários para o consumo do gás e planejamento, através da estruturação do Complexo Industrial Portuário, para a implantação de novas empresas. O setor de fertilizantes também tem sido objeto da ação do Governo, não só para a retomada da FAFEN, como através de ações estratégicas, como o posicionamento no Confaz [Conselho Nacional de Política Fazendária] para defesa da isonomia tributária dos produtos nacionais e importados. Todo esse trabalho, completado com a aprovação da chamada Lei do Gás nesta terça-feira, nos enche de esperança em dias melhores, e o Brasil precisa muito disso: de esperança. E ela é concreta. Porém, em se tratando de um futuro próximo, penso que a vacinação em massa e a adesão consciente e responsável às medidas sanitárias de enfrentamento à pandemia é que vão surtir resultado mais rápido. Precisamos deixar essa tragédia no passado e isso só vai acontecer com cada cidadão fazendo sua parte.